Depois de muito viver, Andréia
havia cometido um único erro grave: apaixonou-se perdidamente. Antes era uma
mulher astuta, possuía senso de medida, sabia a hora de ir e a hora de ficar.
Mas depois que a paixão invadiu a sua alma, corroeu os seus ossos e manipulou a
sua carne, Andréia, na culminância dos seus trinta e um anos deixou-se de vez.
Ele, oito anos mais moço, não possuía muito na vida, nem mesmo dignidade, mas
era puro convencimento. As charlas de amor eterno que recitava ao pé do ouvido
de Andréia, foram cuidadosamente selecionadas nas cenas de filmes românticos
que ele via quando ainda era adolescente e intimamente desejava ser o herói.
Enquanto Andréia esperava
inquieta a ligação de sexta feira a noite, ele passava na casa de Solange para
que eles fossem ao cinema, na sessão das 21h. Depois do cinema um jantar,
depois do jantar um motel, depois do motel o restante da madrugada fria e
escura açoitando os pensamentos de Solange, que curiosamente, naquela altura
dos acontecimentos, estava perdidamente apaixonada por ele.
Solange, ainda nova, não vivera
grandes maldades, seu coração ainda cheio de esperanças apenas desejava viver o
grande amor. Um desejo infindo, uma vontade lasciva de se entregar ao corpo do
outro, ao desejo do outro. Solange era submissa, era daquelas mulheres
inseguras que só podia deixar-se fazer a vontade que lhe fosse determinada.
Andréia adormeceu em cólera. Seus
dentes rangiam durante a noite e os pesadelos tomavam conta de seu travesseiro.
De manhã, bem cedo, o telefone com o toque especialmente escolhido para as
ligações dele, toca.
- Desculpe não ter te ligado
ontem...
Disse a voz cansada do outro
lado. Depois de respirar profundamente Andréia perguntou:
- Aconteceu alguma coisa? Fiquei
te esperando... Acabei dormindo. Tive pesadelos horríveis. Estou com saudade.
O suspiro angustiado rebateu:
- Se você soubesse a noite que
tive... Minha mãe é doente, coitadinha. Teve uma crise grave esta noite, então,
tive que ir com ela urgentemente ao hospital, ficou a madrugada toda em
observação, somente agora foi liberada. Pobre mamãe. No entanto, eu pensei cada
minuto em você, queria tanto que você estivesse ao meu lado. Mas antes que me
pergunte por que eu não te liguei, já te digo que, na correria da hora de sair,
deixei meu celular na cabeceira da cama e fiquei sem ter como me comunicar.
- Oh meu Deus. Sinto Muito. O que
a sua mãe tem? Ela está melhor?
- Reumatismo. Isso, reumatismo!
Está melhor sim, mas sabe como é né? Sente muitas dores, queixa-se demais,
preciso sempre estar em alerta. Nunca se sabe quando ela vai precisar de mim.
Mamãe só tem a mim.
- Entendo meu amor. Se eu puder
ajudar não hesite em me falar. Sabe que você pode contar sempre comigo.
- Sei sim.
- E hoje? Vamos sair? Encontrar-nos?
Estou com tanta saudade...
- Oh meu amor, claro que vamos.
Preciso apenas descansar um pouco, minha noite foi longa. Assim que eu acordar
te ligo para te buscar. Não esqueça de que te amo demais.
Solange, igualmente cansada,
dormia em seu quarto onde a cortina tampava totalmente a luz do dia. Sua noite
tinha sido longa. Depois de quatro horas e meia, quando acordou, tomou seu
banho e se preparava para um novo jantar. O telefone não saia de seu alcance e
a música não podia se exceder no volume, que era para não sobrepor o toque do
celular, que possuía uma música que fora especialmente escolhida para as
ligações dele. As horas passavam e Solange esperava.
Andréia foi ao salão, pintou as
unhas, arrumou o cabelo. Ele finalmente ligou marcando a hora para pegá-la, às 20h30minh.
Quando se encontraram Andréia não sabia qual era a programação, mas ele já
tinha preparado tudo, cuidadosamente. Foram ao cinema na sessão das 21h. Depois
do cinema um jantar, depois do jantar um motel, depois do motel o restante da madrugada
fria e escura açoitando os pensamentos de Andréia.
Solange já havia adormecido, em
cólera. Seus dentes rangiam, teve pesadelos. Quando pela manhã seu celular
tocou e ele com a voz seguramente cansada disse:
- Desculpe não ter te ligado
ontem...
Por casualidade do destino, a mãe
dele, coitada, havia se adoentado, novamente, e ele tivera que passar toda a
madrugada no hospital. Estava cansado e apesar da mãe ter sido liberada,
tratava-se de reumatismo, ela sentia dores. Ele precisaria estar em alerta,
afinal, a mãe só tinha a ele e nunca se sabe quando ela precisaria dele.
Solange, solidária, ofereceu seus
préstimos e toda sua boa vontade. Queria revê-lo, era justo depois de uma noite
sem notícia.
Ele prometeu:
- Preciso apenas descansar um
pouco, minha noite foi longa. Assim que eu acordar te ligo para te buscar. Não
esqueça de que te amo demais.
Andréia esperava. Solange
aguardava e ele zombava delas, do amor e do destino amigo, que era o seu
cúmplice.
Após várias noites driblando a
ingenuidade de Solange e a vivencia de Andréia, Solange descobriu que existia a
Andréia e Andréia descobriu que existia a Solange. Lágrimas escorreram pelas faces coradas de tristeza e ódio. Andréia e
Solange trocaram farpas, tocaram nas feridas fundas de toda mulher,
humilharam-se em público. Ele não se corou, mas ligou para Andréia implorando
por um encontro, uma última conversa, disse que queria lhe explicar tudo. Pedir
perdão. Resignada, Andréia atendeu ao pedido trêmulo, sincero e os instintos
mais primitivos do seu coração. Foi ao encontro do amor. Sim, ainda que
perdido, ainda era amor.
- Preciso lhe dizer meu amor... A
Solange é problemática, me persegue, me atormenta a vida, me ameaça... Tenho
pena dela. Mas é você quem eu amo. Me da uma chance de te provar? Prometo dar
um fim nisso e poderemos ser felizes.
Andréia emocionada e confusa
hesitou, mas não pode com os argumentos arrependidos e sinceros do seu amado. Era
amor. Então, perdoou. Então recomeçou.
Na manhã seguinte ligou para
Solange, implorou um encontro...
Resignada...
- Mas é você quem eu amo.
Solange, emocionada e confusa
hesitou, mas não pode com os argumentos arrependidos e sinceros do seu amado. Então
perdoou. Então recomeçou.
E então, recomeçaram.